Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


quinta-feira, 27 de março de 2008

Das Janelas Calafetadas


a janela portuguesa



Das janelas calafetadas ( Over de afgedichte ramen, vertaald door Arie Pos

Na tua casa todas as janelas são calafetadas.
Têm fitas adesivas
siliconizadas
para reduzir o coeficiente de atrito

de tracção

Fecham sem deixar abrir a janela.

Mesmo assim
quando chove

os caracóis marcham deslizando suavemente pelos vidros.
Deixam uma caligrafia viscosa que me arrepia.
- Grito
horrorizam-me os caracóis.

Eles assustam-se
recolhem os seus pauzinhos

estagnando na tua vidraça calafetada.


O seu rasto viscoso permanece nos vidros da tua janela
nas madeiras envernizadas
nas carpetes densas
nos meus pés nus
no meu pescoço


E eu grito
os vidros racham-se.

E eu grito
porque sinto o caracol no meu pescoço,
a subir pela nuca
deixando o seu rasto viscoso
no meu pescoco.


Tu apaziguas-me
dizendo que as janelas estão calafetadas
siliconizadas
os caracóis amedrontados

e o rasto viscoso é apenas o da tua língua
no meu pescoco.



De como as tuas janelas calafetadas não me protegem de arrepios.

in Joana Serrado, Emparedada Uit de Muur Hendrik de Vriesstipendium 2008

segunda-feira, 17 de março de 2008

Flaubert c'est moi!

Passei o dia todo - leia-se, o dia útil, que por acaso até começou muito tarde - com um poema a estourar-me na minha cabeça. Como era em neerlandês nã conseguia entender. Até que fui andar de van dale em van dale (traduçâo: dicionário em dicionário) à procura dos verbos para dançar essas palavras que eu própria não conhecia, mas sentia o ritmo, a sinfonia.

De vez em quando tinha de interromper para ler o Ser e o Nada sartreano já que estas actividades passavam-se no meu escritório pomposo da Faculdade, e o sentimento de culpa transtorna as minhas investigações.

Voltava aos dicionários, às wikipedias, aos artigos linguísticos e aos blogues manhosos.

O meu poemalivro continua ainda na cabeça, mas lá ganhou uma palavra.

Wallen. Olheiras.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Tratado de Botânica Segundo Tarde de Rabanete

Prolegómenos ao rigor de uma ciência futura




de vinte e quatro maneiras morremos,
de quarenta maneiras ressuscitamos em flores.



(Obrigada Rabanete, por me deixares acompanhar na tua ressurreição)

domingo, 9 de março de 2008

Afinal

Já me descobriram. Afinal sou uma poet/is/a viva.
Obrigada. Eu às vezes duvido disso, é bom ser lembrada.

sábado, 8 de março de 2008

Joana e Maiakóvski à procura de Alice





Ele perguntou e Ela disse

A rabeca estremeceu, suplicando,
e de repente soluçou
tão infantilmente
que o tambor não se conteve:
"Pronto, pronto, pronto!"
E, cansado,
sem a querer ouvir,
meteu pela agitada rua Kuznétski
e sumiu-se.
A orquestra via, indiferente,
como a rabeca chorava
sem palavras,
sem factos,
e só algures
um prato cretino
replicou:
"Que é isso?
Como é isso?"
E quando o contrabaixo,
de fuças de bronze,
mimado,
gritou:
"Porque não
se cala
essa maluca chorona?"
levantei-me,
cambaleando por entre as notas,
curvando-me sob o terror daas estantes
de música,
e gritei não sei porquê:
"Meu Deus!"
E atirei-me ao seu pescoço de madeira:
"Sabes uma coisa, rabeca?
Somos terrivelmente parecidos:
eu também berro
e não sei demonstrar nada!"
Os músicos riem:
"Que tipo mais chalado!
Fugir com uma noiva de madeira!
Só entornado!"
Mas eu que me importa!
Sou bom.
"Sabes uma coisa, rabeca?
Se quiseres -
vamos viver juntos!
Hã?"
[ Maiakovski, 1914]



E a rabeca respondeu:



Minha voz triste e fanhosa

rabeia-se em rabecadas
rabejada
rabiscada
sem ser tua
Rabbi


Meu nome é
rebeca, rebecq, rebet, ribeca, rebecum, rabel, rebequin


Não serei uma bala
balancé
que baila
baloiçada
Balailaca
balida
na tua balada


sou de origem incerta e partida já acertada .
[Joana Serrado, 2008]


para a menina Alice, da Joana e Vladimir

terça-feira, 4 de março de 2008

Para que conste

Fui eu que lesionei o Miguel Marques.
Depois de ele ler o meu primeiro poema em neerlandês teve de vergar a espinha perante aquela obra de arte!

Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua