Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Aviso `a navegação

Se em algum tempo se achar este livrinho na mão de
pessoas alegres, não o leiam, que, porventura,
parecendo-lhe que seus casos serão mudaveis, como os
aqui contados, o seu prazer lhe será menos prazer. Isto,
onde eu estivesse, me doeria, porque assaz bastava eu
nascer para minhas mágoas, quanto mais ainda para as
d'outrem. Os tristes o poderão lêr: mas ahi não os houve
mais, homens, depois que nas mulheres houve piedade;
mulheres, sim, porque sempre nos homens houve
desamor: mas para élas não o faço eu, pois que o seu mal
é tamanho que se não póde confortar com outro nenhum.
Para as mais entristecer, sem-razão seria querer eu que o
lessem élas; antes lhes peço muito que fujam d'êle e de
todas as cousas de tristeza, que, ainda com isto, poucos
serão os dias que hão de poder ser ledas,--porque assim
está ordenado pela desventura com que élas nascem.
Para uma só pessoa podia êle ser; mas d'esta não soube
eu mais parte, depois que as suas desditas, e as minhas,
o levaram para longes terras estranhas, onde bem sei eu
que, vivo ou morto, o possue a terra sem prazer nenhum.
Meu amigo verdadeiro, quem me vos levou tam longe?
Vós comigo, e eu convosco, sós, sabiamos suportar
nossos grandes desgostos, e tam pequenos para os de
depois! A vós, contava eu tudo. Como vós vos fostes, tudo
se tornou tristeza; nem parece senão que estava
espreitando já que vos fosseis. E para que tudo mais me
magoasse, nem tam sómente me foi deixado, em vossa
partida, o conforto de saber para que parte da terra ieis,
porque descansariam os meus olhos em levarem para lá a
vista!




Tudo me foi tirado no meu mal; remedio nem conforto,
nenhum houve ahi. Para morrer mais depressa, me pudera
isto aproveitar; mas, para isso, não me aproveitou. Ainda
convosco usou a vossa desventura algum modo de
piedade (dos que não costuma ter com nenhuma pessoa)
em vos alongar da vista d'esta terra; pois que, se para não
sentirdes mágoas não havia remedio, para as não
ouvirdes vo-lo deu. Coitada de mim, que estou falando, e
não vejo eu agora que leva o vento as minhas palavras, e
que me não póde ouvir a quem eu falo! Bem sei eu que
não era para isto a que me agora quero pôr; que o
escrever alguma cousa pede muito repouso; e a mim as
minhas mágoas ora me levam para um cabo, ora para
outro; trazem-me assim, que me é forçoso tomar as
palavras que me élas dão, porque não sou tam
constrangida a servir o engenho, como a minha dôr.






D'estas culpas me acharão muitas n'este livrinho: mas da
minha ventura foram élas. Ainda que, quem me manda a
mim olhar por culpas, nem por desculpas?
O livro ha de ser do que vae escrito n'êle. Das tristezas
não se pode contar nada ordenadamente, porque
desordenadamente acontecem élas. Tambem, por outra
parte, não se me dá nada que o não leia ninguem; que eu
não no faço senão para um só, ou para nenhum; pois
d'êle, como disse, não sei novas, tanto ha.
Mas, se ainda me está guardado, para me ser em algum
tempo outorgado, que este pequeno penhor de meus
longos suspiros vá ante os seus olhos, muitas outras
cousas desejo, mas esta me seria assaz.


Bernardim Ribeiro, Menina e Moça

Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua