Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


domingo, 24 de fevereiro de 2008

Renúncia

A minha mãe mandou-me um e-mail a dizer que eu cometi um erro gramatical. Na mensagem do Goncalo Cadilho, escrevi perquem. Claro que poderia substituir discretamente a forma verbal pela correcta. Ou então poderia vir aqui (já que há tanta gente letrada neste blogue) mandar uma piada e rir-me (sem vontade) da situaçao.

Infelizmente venho dizer algo mais grave e importante que a gramática, uma heresia na serpente emplumada pessoana.

A minha pátria não é a língua portuguesa.

Poderei dizer algo mais hediondo que isto?

Sim.

Nem sequer sei qual é a forma correcta. Como se conjuga o verbo perder no imperativo? Como se con-juga o verbo perder? Não será apenas um verbo passivo, inconjugavel?


Renuncio à minha pátria, à minha língua ao meu nome.

Isto não é poesia portuguesa. Eu sou sem ser.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Cesariny aplicado ao happyandBleeding

II

E era uma vez este homem
que era um chevrolet
casado com uma mulher de vidro
que era uma colher de prata
Tempos depois sobreveio uma zanga
que era uma criança nua
entre umas tábuas de passar a ferro
e dois elevadores lindíssimos

Metrónomo (disseram eles)

Verdadeira saudade pernilonga
o pára-raios pôs-se a esfardar romanticamente o toldo
de uma máquina de escrever disposta para o amor às quatro no
interior de um quarto
que era uma planície redonda semeada de vírgulas violeta
com um pequeno garfo nas costas
que era o amanhecer que é uma árvore
na boca de uma mosca de veludo rosa

Metrónomo metrónomo (disseram eles ainda)
é uma árvore é uma pedra que vai começar o terceiro canto?

É a aflição dos outros, meu amor.

Lembro-me de tudo como se fosse hoje
as crianças brincavam nos jardins
com um pequeno garfo nas costas
sem dúvida o mesmo de há bocado
e até era domingo vê lá tu
de repente apareceste muito devagar a meu lado
arrastando sem esforço dois aparadores baratíssimos
ai! minha tristeza não era uma barca
breve houve lapidações em série
com um ligeiro clic de chaufagem aberta
todos os meus irmãos começaram a andar velozmente para trás
pobres dos meus irmãos que será feito deles e de nós que fizemos?

Imossível saber-se até onde irá connosco a nossa confiança
Ficaste, mão que aperto todas as manhãs para atravessar incólumes
os espaços vazios
Ficaste, peito sangrento do mundo largada para o sol entre os bichos
e eu
meu único amor meu amor meu múltiplo amor meu
tu que és uma mesa redonda enamorada dos seus próprios círculos
um alcaide sem discos um maço de cigarros
que se descobriu flor
que se descobriu água
que se abriu de repente
que gritou de repente
que implantou na minha vida de repente a carola perfeita
da desorganização

Não me encontrarás como um anel na curvatura I - Z do teu dedo
mindinho
nem na treva que exalta os teus cabelos
nem no espantoso hall da tua testa fechada iluminadíssima
encontrar-me-ás numa nuvem de escamas milimétricas em torno da
tua boca
com toda a força principal na boca
ou nesta casa que é um homem morto
rodeado de rostos sempre translúcidos

- Onde está o homem que era um chevrolet
casado com uma vírgula de amianto?
Certo e sabido que anda sobre as águas que o matei sem querer
estas estrelas brilham com tal nitidez
que acabam sempre por tornar-se suspeitas

Não importa transfigurá-lo-ei em poderoso egípcio

Abracadabra! Vram! Abracadabra!

Os teus olhos estão belos como a lua dos rios exteriores



Mário Cesariny
Pena Capital II
pena capital
2ª edição
Assírio & Alvim
1999



Para o Happy , que não precisa de ser um chevrolet para estar casado com uma vírgula de amianto!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

O vizinho do lado

Baseado na obra de André Brun, A vizinha do lado é uma comédia portuguesa dos anos 50 , de António Lopes Ribeiro, que mostra a conversão de um valdevinos por uma inocente e cândida vizinha do lado.

Não perquem,amigos bloguentos, o meu vizinho do lado, na nossa cidade favorita!



PS: Nao se nota bem, pois nâo? Como é discreto este vizinho do Lado.
É o Gonçalo Cadilhe (sim, esse, com a boa vida) que vai falar sobre Fernão de Magalhães na Bulhosa do Porto, quarta-feira ás 21h30.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

A colcha da nossa Esperança Nacional

O Miguel Marques está urgentemente a precisar de um novo diagnóstico. Como o meu namorado neo-realista acha reacionário e pró-imperialista comemorar o dia de s. valentim, vou aproveitar essa folga na nossa relação para me dedicar a um diagnóstico decente da nossa esperaça nacional, M.M. Já viram aquele post dos gatos? Já repararam na colcha? Isso explica muita coisa. Esperem só. Amanhã, depois do tratamento de shiatsu, aqui no meu jardim.
Miguel Marques no espeto.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Concurso

O poema que se segue, ou melhor a sua versão em neerlandês, valeu-me 6.000 euros.
Dou um prémio holandês (ainda a pensar.... ou então o livro que prometi ao Paulo Borges), pela melhor crítica CONSTRUTIVA (por favor não
me ponham mais miserabilista do que eu sou). Avisei logo que tinha ganho essa maquia (por este poema e por outros que hão-de e agora têm de vir) para testar a vossa irreverência e vos fazer criticar, o mais implacavelmente possivel, essa coisa magnífica que são os Prémios e honras literárias!
O meu mail, já se sabe, tratadodebotanica aquelacoisa gmail.com



Das portas trancadas


Doem-me as portas trancadas.
As que abanamos e não se conseguem abrir.
Das que se perderam as chaves.

As chaves das portas trancadas que não se conseguem abrir.

Penso nas portas trancadas da tua casa.
As chaves que se escondem e não mais aparecem
a porta do teu quarto que range sempre que a abres
ou quando se tosse uma réstia de vento.

A madeira sólida do teu quarto
os raios anelares das árvores
agora sem vida
trancam o teu quarto
conservando a resina que cola os meus cabelos à tua porta.


As unhas negras.
O sangue coagulado.
A dor.
O horror.



De como a tua porta se tranca trilhando os meus dedos de solidão.

é por estas e por outras salamices de chocolate que eu ando parvinha de todo

a uma existência de papel

e eis que é chegado o fim
como uma pedra que se suspendeu
e depois pousou no chão vencida
vencida pelo cansaço de querer mais
do que uma simples pedra pode querer
esta pedra, que josé ferreira gomes conhecia,
que ele próprio atirou contra a noite e o dia
no jardim que era, afinal, todos os jardins
que ele próprio comeu, depois do pódio do chão,
como uma sombra demasiado sombria
que ele próprio supôs como a palavra.
e eis que me dou conta que existo rodeada
de palavras e de pedras caídas - ou anjos em
falência.
não sou homem, e a uma mulher é mais difícil
viver só com as palavras. e quando digo só é só que digo.
esta vida a meio-gás, o JL no braço,
a mesa na esplanada de inverno e o cigarro, até esse,
a apagar-se até ao desnorte.
todo este frio de olhar em volta
e não ver a estrela nem a graça
de não ter uma única casa - uma única casa - branca
nas ruas desta ferida.
de olhar em volta, o centro comercial - o centro,
como esta palavra poderia ser bela - a trazer-me
os outros como uma paisagem sobre as folhas do jornal.
no centro comercial há tantos casais
que se amam como um padrão de pombos - ali, agora mesmo, um homem de bigode
e uma mulher de seios descaídos -
também os seios caem como as pedras suspensas - também os seios -
amam-se com a facilidade com que viro
as páginas do jornal e abandono os temas desisteressantes.
meu deus, faz com que eu tenha os seios descaídos
e dá-me um homem de bigode que me leve a passear no centro comercial.
não quero um amor maior do que o amor possível,
a lição dos livros - esta inqueitação - esta grande inquietação -
cansei-me de amar rodeada de palavras
e de vento e de nada
alguém que não vem mais.
levanto-me da mesa do café,
puxo a gola do casaco para cima,
prendo o cabelo
e vou para onde não sei.



ciciado por ana salomé

Olá

tenho estado doente, depois tive de fazer um capítulo da minha tese, depois li um texto do Miguel Marques, depois tive uma epifania no Museu da biblia, depois declamei poemas com Rutger Kopland, depois perdi uma lente de contacto e voltei aos óculos escuros, depois sonhei com o Ninguém, que tinha um grande bigode daqueles que faz duas espirais nos cantos, depois veio uma grande saudade da Salomé e do happyandbleeding, depois fiz um poema para a Menina Citroën, depois vi que já estava na casa da Menina Rabanete, depois andei à procura dos livros que io Emílio Augusto descobriu para a minha tese, depois não os encontrei, depois achei que era uma grande parva - sim, acho que ainda continuo a achar- especialmente hoje que me esqueci da minha aula mensal em Utrecht, e depois...

só sei que vou voltar para Portugal, de dia 15 a dia 20. Podiamos combinar qualquer coisa, não sei. Eu já não vejo o meu telemóvel há muito tempo, mas há sempre o e-mail. Se eu não ficar parva de todo, claro, até lá.

Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua