Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


terça-feira, 22 de abril de 2008

Flores de Inverno




Se a minha Ciência deixasse de ser vegetal e se ressuscitasse numa pauta, numa escala diatónica, com dó móvel, seria eu certamente uma música de cowboys: entre o country e os blues.
Primeiro, porque as minhas flores são do campo.
Adiante, porque procuro sempre o azul.

Este conhecimento, esta hipótese agora tese incontestada, foi descoberta por João Blake (um género especial de dizer as palavras).

Foi isto que se passou numa noite de Abril, colhida aqui.

Podem ouvir a voz dele, com a alma da Botânica (as flores dos homens rudes do Oeste).

Nesse momento, tudo faz sentido e sinto que fiz algo especial.
São nestes pequenos momentos que sinto orgulho do que escrevi.

Ou então dos momentos que as Alices me descobrem, e eu descubro as Alices. Uma secreta, leitora secreta, que também ela conhece a arte da botânica conimbricense (e me aliciou com doçuras conventuais) e a Alice, alice revelação, que nos dirige numa acta para violino. Ela perguntou-me se eu não fiquei contente com o prémio literário, e a partir de aí, tudo começou. Fiquei devastada com a obra bloguíca dela. A tradução, as cartas (e nessas cartas revivi todos os verdadeiros sonhos literários: a resposta impossível à obra)


Se calhar por isso fico toda orgulhosa quando recebo um aceno de um leitor. Uma escrita casual, casuística, nos caderninhos que ambos escrevemos. Ou os virus que um certo breve rachmaninov me manda (nos comentários aos meus/ nossos poemas).

E de repente vieram muitas saudades do Happy e da Salomé, de quem tenho descurado. Vá lá confiar numa D. Juana. É desta que nos encontramos? Com ou sem Chevrolet? Em cima de uma Figueira?


Seja como for, o joão Blake ensinou-me que as minhas flores só são de Inverno.
( e a primavera, a primavera? ...)

Tenho andada afastada deste mundo porque tenho tido epifanias avassaladoras, e estou a escrever uma Epopeia. Até agora acho que é a melhor coisa do mundo. Quando chegar o momento em que for a pior coisa do mundo, então, o HappyandBleeding vai roubar-ma debaixo da travesseira e, na sua Bicicleta Amarela, levá-la-à a Famalicão.

Prometeste-me.

Despeço-me. Até Breve. Às próximas flores de Inverno.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

tu não és tu pois não?

tu não és tu pois não? (os maus cristãos)

quem sou senão quem posso ser
quem posso ser senão o que querem que eu seja
que querem que eu seja senão o que todos são
que todos são senão o que não são
que não são senão o que queriam ser
que queriam ser senão quem são
quem são senão quem não são
quem sou senão quem não sou
q.e.d.


quem é aquela de espinha torta
que abaixa o olhar submisso
mas lá fora é fria que corta
divide fere e nem dá por isso

quem é aquela tão bacoca
que ampara o santo pão
mas quando o leva à boca
revela língua suave de vilão

quem é aquela tão recatada
que no olhar só traz candura
mas no quarto acompanhada
se profana vende e desfigura

quem é aquele que é sorrisos
dentes brancos e afectos
mas que morde até aos sisos
as costas e enche os rectos

quem é aquele que é moral
exemplo firme de rectidão
mas que mente e diz mal
de tudo e de todos podridão

quem é aquela que trabalha
passa as horas aqui metida
mas as outras abrutalha
levando a vida abscedida

quem é aquele que tão bom
faz da vida partilha capital
mas que esconde no coraçom
passado escuro e mortal

quem é o gordo rosado senhor
que enche o prato da esmola
mas que de todos tem penhor
e diz que mata e diz que esfola

quem é o que conduz a função
prega o amor divino e a virtude
mas emprenha de empurrão
a criadita mais pobre e rude

quem é o que bate no peito
herói valente puro e paladino
mas ao espelho não tem jeito
pois vê apenas um cretino

quem é aquela que ao colo
traz os seus filhos pequenitos
mas a outras fez grande dolo
matando-lhes os pardalitos

quem é o que proclama
que a esposa é sua rainha
mas longe deitado derrama
o seu adn pela palhinha

são estes os maus cristãos
mas muitos outros haverão
se têm o mundo nas mãos
como inverter a situação?

mas
quem poderá por bem dizer
quem ali vai é mau cristão
pois por que se arrepender
cheio está nosso coração


(Um/O) Vampiro chamado Pedro Azevedo

sábado, 12 de abril de 2008

Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua