Mostrou-me a carta eu nunca lhe diria
assim o meu amor- um estilo tão
desengraçado metáforas tão
baças - mas ela abriu sobre o pepel
o seu mais claro sorriso o sorriso
de ler o melhor poema do mundo.
Sob a minha língua versos e versos
formigavam e o meu amor podia
ser bem dito não estivesse eu certo
de levar em troca elogios- pela
graciosidade do estilo pelas
metáforas bem apanhadas - e
um sorriso desengraçado e baço
parecido com os versos do outro.
António Gregório, American scientist, Quasi, 2007
Temos de ver a concorrência, disse eu ao meu amor enquanto percorríamos a secção magrinhas de poesia nas prateleiras da Bulhosa. O meu amor assentou, usando a passiva ( e quando ela usa a passiva com o se eu gosto muito, porque daí vêm coisas muito importantes, e eu aprendo muito, e o meu amor já não me trata de mémé, e puxa da garganta palavras que eu vou aprender e não vou ter medo de perguntar o que significa, porque ele é o meu amor e sabe tão bem o pouco que eu sei, e não se vai rir, e terminará sempre a dizer, nós sabemos tão pouco, só para eu não me sentir mal). Tem de se começar com a Quasi, com os novos autores, que a Quasi é que lança os novos autores, e eu fico muito contente, porque afinal estou na Quasi, eu e os jovens autores, por quem se tem de começar a investigação da concorrência. Vou lá estar, digo eu para mim. Mas há outras editoras, disse eu, mas logo o meu amor me corrigiu, mas só a Quasi publica os novos autores, e eu já não tenho a certeza, mas sigo-o. Há muitos livros, apesar de uma secção tão pequenina, com apenas quatro ou cinco prateleiras. Todos os livros são fininhos . Afinal não sou só eu que escrevo pouco, penso eu, enquanto o meu amor pousa os seus livros grossos no balcão da Bulhosa, para melhor ver os livros fininhos de poesia, enquanto a empregada olha para os livros grossos, sem saber se o meu amor os vai pagar ou não,a os livros fininhos e aos livros grossos. Nomes bonitos, metáforas extravagantes, coisas que eu nunca pensei. Eu escrevo sobre ciência, penso eu, intimamente, agarrando-me ao casaco do meu amor. Até que vi,
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American Scientist, oh, meu amor, alguém me roubou, roubou a ideia. O meu amor tirou-me rapidamente o livro das mão e disse: American Scientist? E eu tiro de novo das mãos dele, a ver se o american scientist me roubou alguma metáfora, alguma imagem, alguma ideia, que só a mim, só a mim me foram oferendadas. Leio o "O melhor poema do mundo". Ele não me roubou nada: nenhuma metáfora, nenhum exotismo, nenhuma latinada, apenas o "melhor poema do mundo". O meu amor pega no livro outra vez e diz, não é grande coisa. Um poema não deve ter a palavra metáfora ou mesmo o adjectivo desengraçado. E eu fiquei contente, talvez, com a concorrência, mas certa que o meu amor gosta dos meus poemas, mais do que da concorrência, e não conseguia ver mesmo no melhor poema do mundo a pequena e fininha poesia do mundo.
3 comentários:
Oh :) Tenho uma relação de amor e ódio com a palavra «desengraçado». De amor, porque me define muito bem. De ódio, pela mesmíssima razão.
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António
ando agora a fazer poemas em neerlandes, e houve um que utilizei a palavra solidão. O meu corrector (e prof e poeta neerlandes) disse: solidão, amor, morte são palavras proibidas na poesia neerlandesa. Soa muito lamechas. se calhar tenho escrever qualquer coisa mais (des)engraçada!
Eu embirro deveras com os verbos no infinitivo usados como substantivos, o meu viver, o meu sentir, o meu sofrer. Nem sequer do meu olhar gosto. Detesto «quimera» (se rimada com «quem dera», pior). Solidão e coração, tem dias (mas gosto muito de «coração»). E de amor. Paixão, menos. E de gelado de baunilha.
António
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