Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


segunda-feira, 2 de junho de 2008

O melhor Poema do mundo

O Melhor Poema do Mundo

Mostrou-me a carta eu nunca lhe diria
assim o meu amor- um estilo tão
desengraçado metáforas tão
baças - mas ela abriu sobre o pepel
o seu mais claro sorriso o sorriso
de ler o melhor poema do mundo.

Sob a minha língua versos e versos
formigavam e o meu amor podia
ser bem dito não estivesse eu certo
de levar em troca elogios- pela
graciosidade do estilo pelas
metáforas bem apanhadas - e

um sorriso desengraçado e baço
parecido com os versos do outro.



António Gregório, American scientist, Quasi, 2007





Temos de ver a concorrência, disse eu ao meu amor enquanto percorríamos a secção magrinhas de poesia nas prateleiras da Bulhosa. O meu amor assentou, usando a passiva ( e quando ela usa a passiva com o se eu gosto muito, porque daí vêm coisas muito importantes, e eu aprendo muito, e o meu amor já não me trata de mémé, e puxa da garganta palavras que eu vou aprender e não vou ter medo de perguntar o que significa, porque ele é o meu amor e sabe tão bem o pouco que eu sei, e não se vai rir, e terminará sempre a dizer, nós sabemos tão pouco, só para eu não me sentir mal). Tem de se começar com a Quasi, com os novos autores, que a Quasi é que lança os novos autores, e eu fico muito contente, porque afinal estou na Quasi, eu e os jovens autores, por quem se tem de começar a investigação da concorrência. Vou lá estar, digo eu para mim. Mas há outras editoras, disse eu, mas logo o meu amor me corrigiu, mas só a Quasi publica os novos autores, e eu já não tenho a certeza, mas sigo-o. Há muitos livros, apesar de uma secção tão pequenina, com apenas quatro ou cinco prateleiras. Todos os livros são fininhos . Afinal não sou só eu que escrevo pouco, penso eu, enquanto o meu amor pousa os seus livros grossos no balcão da Bulhosa, para melhor ver os livros fininhos de poesia, enquanto a empregada olha para os livros grossos, sem saber se o meu amor os vai pagar ou não,a os livros fininhos e aos livros grossos. Nomes bonitos, metáforas extravagantes, coisas que eu nunca pensei. Eu escrevo sobre ciência, penso eu, intimamente, agarrando-me ao casaco do meu amor. Até que vi,



American Scientist, oh, meu amor, alguém me roubou, roubou a ideia. O meu amor tirou-me rapidamente o livro das mão e disse: American Scientist? E eu tiro de novo das mãos dele, a ver se o american scientist me roubou alguma metáfora, alguma imagem, alguma ideia, que só a mim, só a mim me foram oferendadas. Leio o "O melhor poema do mundo". Ele não me roubou nada: nenhuma metáfora, nenhum exotismo, nenhuma latinada, apenas o "melhor poema do mundo". O meu amor pega no livro outra vez e diz, não é grande coisa. Um poema não deve ter a palavra metáfora ou mesmo o adjectivo desengraçado. E eu fiquei contente, talvez, com a concorrência, mas certa que o meu amor gosta dos meus poemas, mais do que da concorrência, e não conseguia ver mesmo no melhor poema do mundo a pequena e fininha poesia do mundo.

3 comentários:

Anónimo disse...

Oh :) Tenho uma relação de amor e ódio com a palavra «desengraçado». De amor, porque me define muito bem. De ódio, pela mesmíssima razão.

*
António

Joana Serrado disse...

ando agora a fazer poemas em neerlandes, e houve um que utilizei a palavra solidão. O meu corrector (e prof e poeta neerlandes) disse: solidão, amor, morte são palavras proibidas na poesia neerlandesa. Soa muito lamechas. se calhar tenho escrever qualquer coisa mais (des)engraçada!

Anónimo disse...

Eu embirro deveras com os verbos no infinitivo usados como substantivos, o meu viver, o meu sentir, o meu sofrer. Nem sequer do meu olhar gosto. Detesto «quimera» (se rimada com «quem dera», pior). Solidão e coração, tem dias (mas gosto muito de «coração»). E de amor. Paixão, menos. E de gelado de baunilha.

António

Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua