Preciso de Flores!

Estão guardadas na Quasi


sexta-feira, 7 de setembro de 2007

Soteriologia aplicada a um Cinzeiro Azul


ou
Crítica à Faculdade de Salvar.


Henrique. Eu saúdo-te. Eu desejo-te saúde. Eu salvo-te. Eu já estou saudosa do tempo em que deixaremos de estar juntos, saudavelmente, salvos.

Salvar significa fazer o impossivel para o futuro. A poesia contém a faculdade de salvar. Um poema é a salvacão. Salva do imperfeito, do ruído (a poesia é canto!), salva (apanha, recolhe, fortalece) húmus. O poema salva o teu futuro, o teu mundo, os teus filhos. O poema é, em última instância, apenas tu.

Mas quando pretende salvar, põe-se de encontro a outrém. Esbarra, é certo, mas não pode ser marginalizado – é a outra margem, a outra possibilidade, o outro mundo (a tua quase carne, o teu filho.).

O poema torna-se no nós. Como quando te arrepias com a beleza ou crueza de algo que escapa à tua conceptualizacão. Torres a arderem, uma gaivota ferida, um plástico na praia. O teu poema repõe a beleza dessa ordem e quando salva, redime, transforma.

Tanja Nijmeijer é uma jovem holandesa, que andou por aqui onde eu ando, e juntou-se às FARC. Há pouco tempo, um diário dela foi descoberto e publicado num jornal. Ela desabafa a vida dura que leva, mostra as contradicoes entre o utopia e a guerrilha, e pensa em voltar. A vida dela corre perigo – dos dois lados. Voltando para um mundo que não é o dela ou ficando num mundo que ela não está a conseguir construir. Provavelmente já não terá escolha – mas temos nós escolha?

O poema é que nos vem salvar porque nos redime. Não aliena, mas serve de motus, é a infantaria da revolucão. Um poema que refizesse continuamente um mundo. Um mundo onde eu pudesse abrigar-me e ser abrigada no teu poema. Um cadáver vivo amando.

Um poema que dissesse morro, mas salvo-te. Espero pelas cinzas do teu cinzeiro.

www.antologiadoesquecimento.blogspot.com

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Emparedada/Uit de Muur

Emparedada/Uit de Muur
Um ciclo de poemas portugueses e neerlandeses

Klompen / Socos


Klompen/ Socos

Klompen/ Socos: tamancos, chinelas de pau, tb. acto de toque fisico, agressivo, da /tua, minha/ mao na / minha, tua/ face

Klompen


Gostava de te dizer como são os meus passos que me afastam de ti.
Como não vivo para ti, nem escrevo para ti.

Como não penso no meu amor, nem te amo em pensamento.

Como não te vejo nos lugares onde nunca estivemos juntos.

Como tu não me pisas quando me obrigas a seguir os teus passos,
ou como não me calcas quando descalças os pés às leonores
que bebem da tua fonte.

Como caminho firme e confiante pelos prados holandeses, entre as vacas e a lama,
e me afasto cada vez mais de ti.

Como os meus passos se afastam dos teus passos, correndo para longe, longe,
esperando que o mundo seja realmente redondo, e não plano,
e possa, um dia, chegar às tuas costas, tapar os teus olhos e dizer-te
mijn thuisland is niet meer mijn taal.


Socos


Ik wilde je zeggen hoe mijn stappen zijn die mij van je verwijderen.

Hoe ik niet leef voor jou, niet eens schrijf voor jou.

Hoe ik niet denk aan mijn liefde en je evenmin bemin in gedachten.

Hoe ik je niet zie op de plaatsen waar we nooit samen waren.

Hoe je me niet vertrapt wanneer je me dwingt je stappen te volgen,
of hoe je me niet plet wanneer je de schoenen uittrekt
van de leonoors die drinken uit jouw bron.

Hoe ik ferm en vol vertrouwen door de Nederlandse weiden loop,
tussen koeien en modder, en me steeds verder van je verwijder.

Hoe mijn stappen zich verwijderen van jouw stappen, rennend naar de verre verten,in de hoop dat de wereld werkelijk rond is, en niet plat,
en dat ik op een dag achter je sta, mijn handen op je ogen leg en zeg
a minha pátria já não é a minha língua.


Joana Serrado, Emparedada/ Uit de Muur, Uitgeverij de Passage, 2009, p. 32, 33

A minha pátria não é a minha língua